terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Fé e Esperança




Mais uma bela surpresa.... 
“Life of Pi” é um filme encantador, capaz de enternecer o coração de miúdos e graúdos.
Um filme pelo qual se esperava preencher minutos com imagens bonitas, quando na verdade nos deixa sem palavras!!!
No início, o fio narrativo faz lembrar o também oscarizado “Forrest Gump”. O Publico é apresentado a Pi Patel (Suraj Sharma na versão adolescente da personagem), um menino diferente dos restantes e deveras inteligente, que se interessa por assuntos que não lembram a ninguém e que decide tornar-se adepto de todas as religiões à face da Terra. À medida que vai crescendo, Pi vai enfrentando as várias facetas do mundo terreno, encantando-se com alguns aspectos e tornando-se melancólico em relação a outros. 
Ao atingir a adolescência, contudo, o seu mundo altera-se por completo. A família de Pi decide levar o zoo que administra para o estrangeiro, mas o navio em que viajam tem um acidente e acaba por naufragar. Todos os tripulantes (homens e animais) morrem nas águas geladas do Pacífico, excepto o próprio Pi, um tigre feroz que dá pelo nome de Richard Parker, uma hiena irritante, uma zebra assustada e um símio pachorrento. Estes cinco seres vivos buscam a salvação num pequeno bote salva-vidas.
A beleza dos cenários e a harmonia com que Ang Lee usufrui da tecnologia para levar a bom porto uma história difícil de contar são os aspectos que mais saltam à vista neste “Life of Pi”. Lee filma a Índia como ninguém havia feito antes, submetendo o espectador a um delírio visual e auditivo que tão cedo não será esquecido. A partir do instante em que o navio naufraga e a batalha pela sobrevivência começa, “Life of Pi”
torna-se menos encantador. Mas, curiosamente, é aí que se torna também mais divertido e onde Lee saca da cartola uma palete de cores verdadeiramente deliciosa. Há muita coisa a retirar desta obra, desde o respeito que deve haver pela condição animal à forma como a imaginação pode salvar a vida de uma pessoa nos momentos mais delicados. É um filme com uma mensagem oculta muito forte, aproveitando-se de metáforas e do poder da imaginação para alcançar lições de vida bastante relevantes.  Muitos dos planos de câmara são avassaladores e os efeitos especiais merecem igualmente uma palavra de destaque.
A escolha do actor foi perfeita. Ele passa legitimidade como contador de história. E mesmo que apareça muito menos que o jovem Suraj Sharma, que vive Pi na juventude, Khan é fundamental para esta história. Ele nos fascina como narrador da mesma forma com que impressiona ao escritor estrangeiro interpretado por Rafe Spall. Porque ele, no fundo, somos todos nós, “ignorantes” na cultura e nas peculiaridades dos indianos. Olhamos para aquela realidade, a exemplo de Slumdog Millionaire, com admiração e fascínio. Afinal, é uma cultura muito diferente da nossa e, ao mesmo tempo, ela guarda certas semelhanças com a diversidade e os contrastes da Europa e do Ocidente... 
O segundo ponto que me fascinou na história foi a sua ideia de diálogo religioso. Não demora muito para Pi nos ensinar que todas as religiões são válidas porque todas, há sua maneira, tratam de devoção, respeito a uma (ou mais de uma) divindade(s) e de amor. Mas ao invés de igualar todas as religiões, o protagonista deste filme mostra as diferenças entre elas, e como cada uma pode tornar o homem melhor de uma maneira diferente. Assim, Pi segue o hinduísmo, como qualquer indiano, encarando os seus diversos deuses como super-heróis... fica fascinado com o cristianismo, admirando a história de doação de Jesus... e também conhece Deus através do islamismo, quando percebe como a religião pode ser sentida fisicamente e dar paz de espírito. Nas palavras de Pi, ele conheceu a fé pelo hinduísmo, o amor de Deus pelo cristianismo e a serenidade e a irmandade pelo islamismo.
Um belo exemplo!!! De como a curiosidade pacífica pode levar uma pessoa a conhecer o melhor das diferentes religiões e, desta forma, entender melhor os seus irmãos. O curioso é que, em casa, Pi tinha um pai ateu e uma mãe que não era muito religiosa, mas apegada ao hinduísmo como um último elo de ligação com as suas origens. Com isso, nosso personagem mostrava carácter e independência na forma de pensar. Algo que lhe acompanharia para o resto da vida. Essa reflexão, jogada tão cedo na tela, fascinou-me. E para fechar, Pi ensina que há muitas dúvidas para quem acredita, mas que isso é importante quando a fé é vista como algo vivo. E aí vem outro ponto interessante da história.
Pi aprende, com Mamaji, que o medo paralisante ou desesperador poderiam ser os seus principais inimigos. Assim, ele não aprende apenas a lidar com a água, mas também a ter um grande fascínio pelos animais. Especialmente por Richard Parker, um tigre de bengala que faz parte do zoológico da família. Ele respeita o tigre e tem uma grande admiração por ele. Mas aprende, com o pai, que deve temê-lo, e encará-lo como um animal cruel. Qualquer ligação afectiva que Pi possa acreditar que existe, ao olhar no olho do tigre, ensina Santosh Patel, deve ser vista pelo filho como um reflexo de suas próprias expectativas.
Esta é uma forma de olhar para um tigre e para a Natureza. Mas há outras... E grande parte de Life of Pi vai tratar desta segunda maneira de encarar a Natureza. Ela é fascinante, e podemos aprender muito com as características de cada animal. Assim, quando Pi está sozinho com quatro tipos de bichos em um barco após o naufrágio do navio que está levando ele e a família para o Canadá, ele observa as características essenciais de cada um deles. Aprende a entendê-los, respeitá-los e temê-los. Mas depois, quando fica sozinho com Richard Parker, percebe o quanto o “diálogo” entre eles é o que garantirá a sua própria sobrevivência.
O visual é fantástico, e a trilha sonora de Mychael Danna ajuda a embalar a história e torná-la ainda mais emotiva e dinâmica. O aprendizado de Pi com Richard Parker e vice-versa é pura fantasia e, para pessoas que não se importam com histórias assim, um verdadeiro brinde.
Mas aí que o filme nos prega uma partida e revela, perto do fim, toda a sua grandiosidade. Afinal, ser apenas uma história difícil de acreditar, mas fascinante, da sobrevivência de um jovem de um naufrágio junto a um tigre, não tornaria Life of Pi grande. Seria, apenas, interessante, bem feito, bonito. Mas quando descobrimos, como o escritor que escuta este conto, que esta história é uma grande parábola para o protagonista lidar com a própria dor e com aquela situação traumatizante, percebemos o quanto Yann Martel realmente escreveu uma grande história. Ao pensar em tudo que acontece após o naufrágio com pessoas específicas no lugar dos animais, Life of Pi ganha outra dimensão.
As pessoas são, muitas vezes, muito mais cruéis que qualquer “animal selvagem”. Somos capazes das maiores brutalidades, das acções mais inacreditáveis – para o bem e para o mal. Life of Pi trata um pouco sobre isso. Aproxima-nos das nossas origens, animais, mas revela, também, como podemos superar estas origens para darmos exemplos de grandeza. De valentia, coragem, generosidade e amor. Os japoneses, que sabem como poucos lidar de forma lírica com a dor e a perda, conhecem bem a força de uma parábola. De uma história fantástica para tratar de sentimentos importantes. Não por acaso, são japoneses que escutam Pi e fazem um relatório final que ajuda a consolidar a sua história.
Muito bem pensado, e muito relevante, a pergunta que Pi faz para o escritor – que somos nós – no final. Qual história nós preferimos, levando em conta que nenhuma delas explica o naufrágio e nem elimina a dor e as perdas que ele sofreu? Fica a critério de cada espectador fazer a sua escolha. Mas evidente que esta é uma alegoria, uma forma poética de encarar uma realidade que foi muito mais cruel. Um belo ensinamento, em todos os sentidos. 
Nada como ser surpreendido positivamente, não é verdade? Eis aqui uma história interessante e diferenciada, rara no cinema actual. Um filme que fala como as parábolas fazem sentido. Como é belo pensar em uma forma diferente de encarar a dor, e de enfrentar situações que não deveriam ter acontecido. A perda e a dor podem ser embaladas de uma forma diferente para conseguirem ser levadas adiante. Lindo visualmente, Life of Pi é ainda mais bonito na mensagem.
Um exemplo de como a fé e esperança pode dar uma nova luz no caminho!!! 



P.S. Carpe Diem

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